11 de novembro de 2015

2 de junho de 2015

"Memórias de águas perdidas"


AST - 2015
Acervo particular


Descrever uma obra e interpretá-la pode ser visto como uma metodologia eficaz de apreciação artística. Contudo, Michael Baxandall reflete essa "impossibilidade" da linguagem verbal ao tratar da fonte visual, com suas características particulares, tanto materiais como subjetivas. Há de se entender que ler uma obra de arte, é sempre um desafio para quem escreve, pois jamais podemos alcançar o que o artista quis demonstrar verdadeiramente com a sua arte, e quanto mais afastado no tempo, maior essa dificuldade. Todavia, tomo este desafio, a fim de discutir alguns motivos, enunciados simbólicos, vislumbrados nessa pintura do artista Assis Costa. Um retrato de um vaqueiro, banhado por uma luz solar que impálida sua face, assim como Hopper iluminava seus personagens da cultura norte-americana.  "Memórias de águas perdidas" se enquadra dentro de uma tradição pictórica de representação de tipos nordestinos, incrustados no imaginário coletivo. Porém, ele pode ser entendido como uma representação que sutilmente desafia o senso comum, mesmo sendo este um vaqueiro -  signo de virilidade e força  sertaneja; sua postura, seu olhar, é auto-reflexivo, uma figura clássica, sensível, que quebra a imagem tradicional representativa do universo rural. A paisagem multicolorida não é apenas pano de fundo, são os sentimentos dúbios de uma realidade hostil e doce, seu olhar contemplativo sobre seu mundo interior e externo, mostram contradições de uma ordem representacional, um quadro que dialoga com a convenção, questionando-a sorrateiramente. O conjunto das figuras, homem e cavalo, constitui-se em harmonia e integração, seu corpo ligeiramente inclinado, traz as referências clássicas e do modernismo com Modigliane. Sua roupa de couro, ricamente adornada, com arte talhada na pele dos animais, é a mesma manta que revestia os homens nas cavernas, era sua proteção contra os perigos da mata. Toda a obra sobretudo, envolve um sentimento de amor, das solitárias andanças dos vaqueiros, entorpecidos pelas luz e por mágoas inconfessáveis presas numa paisagem. 

Ilka Pimenta, 02 de junho 2015. 




24 de maio de 2015

Acarí (2015)


AST, 70 x 130 cm , Acervo particular

A cidade em festa, assim mostra o artista uma paisagem multicolorida de pessoas, animais, edificações e a natureza, que baila em montanhas movediças, pedras que jorram leite, águas trigais de campos áridos. O símbolos significam a paisagem, integram seus sentidos conjugados ao sentimento de pertencer a um lugar, cidade de Acarí, região do seridó, interior do Rio Grande do Norte. Uma lista de dados identificativos começa a dizer a obra, mas será que tudo isso nos diz sobre a imagem? Uma pintura, pensada, confeccionada desde a produção da grade, a preparação do tecido que se torna o espaço da arte, pronta para aquele momento em que o artista sente-se diante do "problema": criação. Daí, o tempo, a energia, as condições várias da vida do artista e tudo que o circunda permitirão a construção de uma obra que terá título, data e dimensões. Além de todas essas nomenclaturas, definições importantes ou vazias, terá aquele sentimento de nascimento, de obra que sem dúvida, não pode ser isolada do seu contexto, nem das dimensões históricas que acompanham qualquer produção humana, mas é vista por mim como uma ideia imbuída de subjetividade e complexidades daquilo que move a criação. Neste sentido, o açude gargalheiras que abastecia até agora o ano de 2015, Currais Novos e Acarí, assume no quadro, um sentido de vida, de saudade, de preenchimento, pois a riqueza absoluta é a água. Por outro lado, a procissão da padroeira Nossa senhora Daguia, reúne os anônimos, a multidão, festejos de tradição cultivadas ainda hoje demonstrando a força do catolicismo na história dessa região, nascida da conquista portuguesa nesse espaço, do adentramento dos sertões, expulsando os indígenas e impondo a fé estrangeira nessas paragens no século XVIII. Signos de poder, instituições como o Museu do homem sertanejo, prédio tombado pelo IPHAN, patrimônio material desse município. E a Igreja do Rosário, lindíssima! resquícios da arte barroca, e assim dos diversos quadros sociais e culturais representados nessa obra de Assis Costa, que trata a paisagem, não apenas como ela é, uma cópia, uma fotografia, mas investiga um olhar multidirecionado como colagens justapostas, mirando o belo, aquilo que há de melhor do espaço que vive, pinta e o significa pictoricamente. 

Ilka Pimenta, 01 de outubro de 2015.