Acrílica s/ tela, 80 x 100 cm
Acervo da Pinacoteca do Estado do RN
Texto de Assis Costa
Esse trabalho, como tantos outras obras que pintei, busca colocar-nos diante e dentro e um espaço íntimo imaginário, onde elementos icônicos de "nossa cultura" povoam momentos congelados no calor da criação pictórica. O artista tem ir aonde o povo está, mas se o artista é o povo, onde este está, está toda a representação desse pensamento.
Quando escolho a Bodega para representar esse espaço, de fato, insiro toda uma constituição de sentimentos e ideias, que nos remete instantaneamente para os tempos de infância. Eu mesmo desde tenra idade já atendia os pedidos de minha mãe para ir até a bodega comprar pão ou outras coisas básicas da casa; ali para mim estava representado o lugar que supria as necessidades, atendia os nossos desejos, lugar onde as pessoas se encontravam para conversar e se divertir. "tomar umas e outras". Esse é o espaço impregnado de sentidos; quando se fala em bodega há de se pensar no cheiro, nos gosto, nos ruídos e nas cores de tudo que emana daquele microcosmo, que vem muito antes dos shopping centers. Nesse trabalho, a ideia básica nasce da tradicional representação das santas ceias, mas deixei que a mensagem ficasse em segundo plano, de maneira mais subliminar, para mostrar que a comunhão das artes se dá de forma muito mais espontânea, é a vontade de saciar uma necessidade básica, a do espírito criador que está no artista. O pão está ali representado, mas a busca é por outro alimento; se embriagam muito mais pela alegria de fazer cantar a alma, do que por beber o vinho.
O velho Sanfoneiro cego de um olho é rei nessa terra, e até mesmo o cego Aderaldo se sente feliz por ouvir e cantar junto com seu rei. E o Cristo está ali pendurado, não na cruz, mas numa gravura na parede abençoando o grupo, falando aos missionários da arte que o seu coração está aberto e entregue, para guiar-nos nessa difícil jornada que é a vida.
Quem são eles afinal? São pessoas comuns, na maioria das vezes trabalhadores braçais, e isso é fácil de perceber através de suas feições, pois aqui vemos vaqueiros e agricultores que fazem do ofício da sua arte um alento para as lutas e as dores do cotidiano. Aqui se comemoram coisas simples; mais um dia vencido, o que se colheu a custa de empenho após um inverno fraco, o fato de estarem juntos. Esse é um espaço democrático, onde os animais domésticos também se irmanam nesse fantástico mundo literário cordelístico, e não à toa o cordel que o jovem ler é a obra do poeta potiguar Antônio Francisco: Os animais tem Razão. Enfim, posso dizer que é de fato uma ceia, não a última, mas uma ceia que anceia poder alimentar um pouco mais o tão necessitado espírito humano.
Assis Costa, 12 de julho de 2014.
Obs.: Por favor citar a fonte, ao usar os textos do blog.
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